O término de um relacionamento pode ser suficientemente doloroso para ambas as partes. No entanto, é importante enxergar as possibilidades futuras no âmbito individual
O ideal romântico dos casais apaixonados foi construído há muito tempo. Além de correntes teóricas identificadas na Filosofia e na Literatura, a temática do amor ganhou potencialidade com o Romantismo, movimento cultural datado do século 19. Na época, em um contexto social eurocêntrico, a ação de uma pessoa ao se relacionar com a outra era justificada por um possível enobrecimento do ser humano.
Contudo, as metades que compõem o casal estão passíveis de desconstruir essa lógica amorosa. Com isso, alguns relacionamentos são rompidos e a iniciativa de se recriar sem o par romântico é logo necessitada. Porém, não é sempre que esse ímpeto se apresenta de maneira favorável e, com isso, o processo de término pode se tornar ainda mais doloroso. Para evitá-lo, deve-se fazer uma avaliação sobre o caráter positivo do afastamento.
Término com lados positivos
A noção de término ainda é muito associada à solidão. A ausência de uma “cara metade” pode pressupor a realização de algumas atividades de maneira individual, o que, na visão de uma pessoa com um histórico de relacionamentos, poderia representar um problema. Contudo, é possível que a ideia de término seja transportada para um cenário onde a pessoa em si é o foco. Nesse caso, o aprimoramento pessoal é um incentivo ao confronto com uma nova realidade.
Mas, quais seriam as conquistas de uma caminhada individual? Tal fato depende da energia empreendida em uma autoanálise, na qual o sujeito descobrirá quais são seus destaques e, assim, utilizá-los ao seu favor. Seja em características físicas ou emocionais, é possível que o indivíduo que vivencia uma situação de término inicie uma jornada na conquista de novos posicionamentos, conhecimentos e, até mesmo, lugares.
As tentativas de reencontro são grandes quando o assunto é a retomada dos laços devido ao desejo de uma das partes – ou de ambas. Essas ações denotam o potencial do cérebro em relação ao sistema de compensação, acionado a partir da ausência do par romântico. Nesse aspecto, o caráter emocional pode responder de maneira impulsiva (demonstrada, por vezes, em mensagens ou em ligações ao antigo cônjuge).
Para a psicóloga Lívia Marques, a expressão de um término pode contribuir até mesmo com a autoestima. “É inegável que, dentro de um relacionamento, acabamos por adquirir algum hábito do outro. Mas, não podemos nos anular e nos deixar de lado”. A psicanalista Camila Morais endossa que “é comum que, ao se adaptar tanto para estar com o outro, a pessoa perca características de sua identidade, o que traz impactos em sua autoestima e em seu modo de ser”.
De acordo com Morais, a isenção do ‘eu’ diante de uma relação amorosa pode até mesmo afastar a subjetividade. Sobre o tema, Lívia considera que ainda há impeditivos à total expressão individual logo após o rompimento de um relação conjugal. Contudo, esses obstáculos (retração do convívio social, medo e sensação de apego) podem ser atenuados por meio de ações diárias. A exemplo, “fazer uma reflexão do que não deseja que se repita nos próximos relacionamento” é essencial, segundo a psicóloga.
O recomeço de uma nova vida, após um término, não precisa estar associado à estaca zero. Esse momento deve servir para a recuperação de projetos arquivados devido à dedicação ao relacionamento. Nessa etapa, Camila comenta que “primeiramente, é importante que a pessoa se permita ficar triste, sentir raiva, pois entrar em contato com as emoções é o primeiro passo para elaborar o término”. Em seguida, “tentar resgatar as atividades que dão prazer ou trazem bem-estar, encontrar com pessoas significativas, cuidar de si (tentando dormir bem, fazendo atividades físicas, meditar)” são atividades que reduzem os possíveis danos de um rompimento.
Portanto, é necessário dizer a si mesmo o que é desejável à realização pessoal naquele momento. Uma viagem, uma renovação no estilo, uma nova casa? A função de seleção dependerá apenas da demanda individual de quem está se reconstruindo após o relacionamento.
Futuro ainda incerto
No filme Comer, Rezar, Amar – uma adaptação do livro autobiográfico homônimo, que conta a história da escritora estadunidense Elizabeth Gilbert –, Julia Roberts encarna o papel de uma mulher que abandona a vida matrimonial ao se ver cercada por planos arquivados em sua memória, e decide viajar pelo mundo em busca de sua verdadeira identidade. Índia, Itália e Indonésia são os destinos percorridos por Elizabeth, nos quais a autora do best-seller encontra uma nova forma de se expressar.
Tomando como base o exemplo acima, é perceptível que a busca interior pode estar em todos os lugares, e a ativação dessa conquista individual é possível por meio de diferentes atividades. Entretanto, as medidas tomadas, geralmente, devem ser guiadas por um profissional. Para isso, consultar um terapeuta antes e após o término amoroso contribui para que as questões associadas ao relacionamento sejam melhor elucidadas.
Outro ponto essencial à avaliação dos benefícios provindos da relação é encontrar setores maléficos nela. Lívia recomenda que a pessoa tenha uma reflexão sobre o formato do relacionamento. Se for o caso de um rompimento por uma sucessão de abusos, deve-se ter a consciência de que a melhor medida é o afastamento. Para isso, Camila adianta que é intrínseco “avaliar se há aspectos que se repetem nas relações (como ciúmes, excesso ou falta de disponibilidade para estar com o outro, desconfiança)”. “Esses traços inviabilizam que os relacionamentos prossigam”, enfatiza a profissional.
CONSULTORIAS Camila Morais, psicanalista e mestranda em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo (USP); Lívia Marques, psicóloga organizacional e clínica, com foco em terapia cognitivo-comportamental e coach
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