A figura de Winston Churchill percorreu diferentes contextos históricos. Dentre muitas vitórias, o fracasso na Primeira Guerra Mundial lhe conferiu alguns anos de crise no âmbito político
O ano era 1911, quando o futuro estadista britânico, Winston Churchill, havia sido indicado para o cargo de Lorde do Almirantado pelo ex-primeiro-ministro britânico Herbert Henry Asquith, incumbência designada para coordenação da Marinha de Guerra Britânica. Essa ascensão se encerraria décadas mais tarde com uma carreira marcada pelo enfrentamento contras as instâncias nazifascistas – ameaças à autonomia da Inglaterra e de outros territórios que compuseram a Segunda Guerra Mundial.
A atuação e o reconhecimento de Churchill, contudo, foram enfatizados após sua participação na Primeira Guerra Mundial. Em poderes do Almirantado, o futuro estadista empreendeu ações que visavam a modernização e a supremacia do poder britânico em relação a essa época. Entretanto, a ideia de ingressar em um dos conflitos que marcaram este período não foi favorável à excelência estratégica buscada pelo Reino Unido durante a Grande Guerra.
Medida ambiciosa
Os primeiros passos de Winston Churchill como Primeiro Lorde do Almirantado consistiram em criar possibilidades para que o Marinha britânica se equiparasse à Marinha alemã. Tal fato foi demonstrado por meio das intenções de Churchill de aprimorar a frota britânica, como o governo alemão realizava na época. A medida era condizente, visto que os rivais possuíam potencial armamentista e tecnológico avançados em relação às outras potências que caracterizam a corrida bélica do período.
Enquanto a Marinha alemã aumentava, Churchill visava o dobro das reformas empreendidas pelo exército oponente. Por isso, além da proposta que objetivava aumentar o número de feitos navais, o comandante também viabilizou mudanças acerca dos estaleiros e estações navais, além de motivar o aprimoramento acerca da moralidade dentro do exército.
O político foi responsável pela constituição do conceito de aviões planadores. A contribuição que fez à Marinha suscitou discórdias entre os liberais, que julgaram os seus altos investimentos à instituição. Contudo, Churchill era “duro na queda” e ameaçou renunciar de seu cargo de Lorde do Almirantado, caso sua proposta para novas batalhas em 1914 e 1915 fossem recusadas.
A personalidade do futuro estadista britânico esteve à frente de assuntos que diziam respeito à economia. Em 1914, convenceu a Câmara dos Comuns – órgão responsável pela elaboração de leis, além de debatê-las e contribuir com o auxílio ao primeiro-ministro na execução das medidas promovidas – a autorizar o uso de mais da metade dos lucros obtidos pela Anglo Persian Oil Company, petrolífera que explorava regiões do Oriente Médio, a fim de que a Marinha Real pudesse se aproveitar desses insumos.
Apesar de seu posicionamento severo e longa atuação na política, Winston Churchill não é considerado o melhor estrategista militar. Contudo, segundo o historiador Célio Tasinafo, o político “reunia duas características essenciais para comandar um ministério importante como o da Marinha durante a Primeira Guerra: a compreensão astuta de que o emprego de tecnologias novas, voltadas à destruição em massa, seria decisivo para qualquer conflito que ocorresse; a capacidade de liderar os militares de carreira e inspirá-los”. Dadas essas habilidades e outras que conferiram características marcantes ao político – como o talento que possuía ao discursar em grandes comícios – , Churchill passou a ser reconhecido e exaltado em mais de um momento da História.
Primeira Guerra Mundial
Para compreender a atuação de Winston Churchill, é necessário fazer uma pausa e olhar o contexto histórico em que o estadista britânico estava inserido. No século XIX, as forças imperialistas europeias estavam a todo vapor – literalmente. Isso porque as necessidades de expansionismo industrial, justificado pelo caráter imperialista, apresentavamse como a principal demanda dessas nações. “Logo que Churchill assumiu o comando da Marinha britânica, o estadista escreveu que, naqueles tempos de ‘paz’, ‘a preparação [para a guerra] era o único campo possível para uma ação imediata, sustentável e útil’”, pontua Célio.
Essa característica deu origem a um dos eventos que definiu a história entre os anos de 1914 e 1918. A Primeira Guerra Mundial foi o marco de uma época que a motivação armamentista ganhava um cenário promissor, graças à concorrência das nações imperialistas.
Em um breve panorama, as tensões da Grande Guerra provinham de um momento da história em que dois países, considerados potencialmente bem sucedidos – política e economicamente – encerraram um conflito ainda com cicatrizes. Esse é o enredo da relação entre Alemanha e França que, com o fim da Guerra Franco-Prussiana e a vitória da primeira nação, estabeleceu acordos com países que visavam a expansão da influência política. Foi o caso do Império Austro-Húngaro. Mais tarde, a Itália seria incorporada a esse bloco que ficou conhecido como Tríplice Aliança, associação de cunho comercial e, sobretudo, militar.
Com o avanço desse bloco, a Rússia e a França confirmaram um pacto “protecionista”, que mais tarde daria origem à Tríplice Entente, com a incorporação da Inglaterra – essa é a válvula para a inserção de Winston Churchill neste contexto. A importância dessa medida se deve à concorrência entre a Alemanha e a Rússia em relação ao território que corresponde à região dos Balcãs. Essa organização representava uma ameaça à Sérvia, território aliado à Rússia czarista.
Neste cenário, mais uma nação com potencial armamentista entrou em cena. Ao notar o perigo que a Alemanha representava, as autoridades russas firmaram um acordo com o Império Austro-Húngaro que intencionava a promoção do pangermanismo, corrente contrária à tendência nacionalista suscitada pela Rússia – o paneslavismo. Essa tinha como intuito a formação de uma “Grande Sérvia”.
O clima de tensão no continente europeu se acirrou quando o duque Francisco Ferdinando (maior representação da força imperialista do Império Austro-Húngaro) foi assassinado, em Sarajevo, no atual território da Bósnia Herzegovina, pelo sérvio Gavrilo Princip. O jovem, partidário da corrente nacionalista eslava, marcou o século XX ao dar início a um dos maiores conflitos da História mundial.
Após o atentado, a Alemanha e a Áustria-Hungria exigiram uma retratação por parte da Sérvia, sendo um momento promissor para as primeiras nações acirrarem as pressões em relação à autonomia desse país. Contudo, o apoio russo à nação sérvia intensificou a sua força, o qual impossibilitou que o avanço germânico corrompesse a integridade nacional.
Ao fim, a Sérvia, apoiada pela Rússia, declarou guerra à Áustria-Hungria em 28 de julho de 1914. Logo após esse anúncio, a França decidiu apoiar a decisão russa. Como retaliação a esse movimento, a Alemanha declarou guerra ao bloco. A partir desse momento, vários países entrariam em conflito, com objetivos inspirados em seus interesses nacionalistas.
Batalha de Galípoli
Dentro de um conflito de proporções internacionais, há sempre pormenores que dizem respeito à afinidade ou concorrência entre países. Em 1915, um dos marcos da Primeira Guerra Mundial fora realizado. A Campanha de Galípoli ficou conhecida como um dos episódios mais avassaladores da Grande Guerra.
Um dos fatores que definiu esse evento foi a desconstrução da notoriedade do britânico Winston Churchill em relação à Primeira Guerra Mundial. Como mencionado anteriormente, o político fazia parte do Almirantado inglês na época. Com o ingresso da Inglaterra no conflito, uma nação passa a ser visada pela mobilização britânica: o Império Turco Otomano. Segundo o professor de História Milton Joeri Fernandes Duarte, “a melhor maneira da Grã-Bretanha e da França conquistarem o Império Turco-Otomano e ocuparem a Constantinopla (atual Istambul) era organizar um ataque à península de Galípoli pelo estreito de Dardanelos”.
A estratégia utilizada por Churchill dizia respeito a um ataque entre os fortes localizados em torno do estreito de Dardanelos, elo entre o Mar Egeu e o Mar de Mármara. O caminho possibilitava uma abertura ao território da Rússia, a partir do eixo entre Constantinopla e o Mar Negro. Contudo, naquele momento, a região foi bloqueada pela ação turca.
Mas o evento não se reduziu a um ataque marítimo. Churchill autorizou que a tripulação desembarcasse em Galípoli, península localizada na região noroeste da Turquia. Essa iniciativa promoveu uma batalha em terra firme. “O desembarque foi particularmente sangrento, a maior parte das tropas aliadas foram apanhadas de lado pelo fogo das metralhadoras turcas que mataram milhares de soldados”, enfatiza Milton.
A proposta poderia ter êxito se não fossem os obstáculos impostos pelo Império Turco-Otomano, por meio do Mar Mediterrâneo. Em março de 1915, portanto, o avanço inglês determinado por Winston Churchill e o governo britânico, que também estava por trás do apoio à medida, revelou-se em um ataque ao território de Dardanelos que, segundo Tasinafo, “não foi um sucesso absoluto, mas também não pode ser classificado como um fracasso total”. O professor comenta que “eram previstos outros assaltos aos fortes turcos a partir da Marinha e chegou-se a estimar a perda de 12 navios, sendo que naquele primeiro ataque foram perdidas três embarcações com 50 mortos e 23 feridos (números mínimos se comparados à carnificina que se via na frente Ocidental)”.
Por fim, os otomanos conseguiram o domínio da batalha e saíram vitoriosos desse conflito. No entanto, a Primeira Guerra Mundial conferiu ao território turco-otomano prejuízos políticos e territoriais. Com o fim da Grande Guerra, o império foi subordinado ao domínio de potências europeias. Por meio do Tratado de Sevrès – assinado em agosto de 1920 –, Reino Unido, França, Itália e Grécia foram as nações beneficiadas com a repartição do domínio territorial turco. A maior parte, no entanto, coube ao governo britânico que aproveitaria do momento glorioso em relação ao petróleo encontrado na região para se ascender política e economicamente.
Anos de crise
Após essa ofensiva, Winston Churchill foi tratado negativamente pela imprensa. Bastaram as três embarcações afundadas para que as críticas recaíssem sob a atuação do estadista que, mais tarde, foi demitido do comando da Marinha inglesa. Contudo, os interesses dessa medida também se associavam ao desejo do governo britânico de formar uma coalizão – uma das medidas do Partido Liberal durante a Grande Guerra.
O afastamento para Churchill lhe conferiu refúgio do ódio público, que se transparecia por meio de ameaças. Tal momento, os esforços do estadista se destinaram à reformulação da sua imagem política.
Em 1924, tendeu cada vez mais aos Conservadores. A oportunidade de mudança de status foi concebida após a convocação de Stanley Baldwin como primeiro-ministro. Neste cenário, Churchill concorreu às Eleições Gerais e venceu para o cargo de chanceler.
No entanto, a instabilidade de sua carreira após o desastre no estreito de Dardanelos perdurou até as eleições de 1929, quando os Conservadores foram derrotados. Seu vigor político foi retomado nas eleições de 1935 quando retornou ao Parlamento com glórias. Anos mais tarde, seu posicionamento estivera associado contra o domínio da Alemanha que avançava. “Em 1º de setembro de 1939, descumprindo todas as promessas e acordos firmados, os nazistas invadiram a Polônia, obrigando Reino Unido e França a declararem guerra à Alemanha, todas as críticas e posicionamentos de Churchill contra a política de pacificação fizeram sentido e Chamberlain, apesar de não simpatizar com ele, teve de nomeá-lo 1º Lord do Almirantado”, pontua Célio.
Os anos de ostracismo de Churchill revelam tanto a recomposição de sua imagem, como também apresenta suas inúmeras tentativas de retorno à política. Parte da sua reconciliação foi enredada pela paixão nas artes, em um período que o desgaste de sua figura já prejudicava sua saúde. Episódios de depressão foram minados pela pintura. Com traços impressionistas, inspirados pelo pintor e amigo Paul Maze, Churchill formou um acervo que, até hoje, é destacado como fruto de um dos múltiplos talentos, pelos quais o político ficou marcado na História.
CONSULTORIAS Célio Tasinafo, professor de História e coordenador do colégio Oficina do Estudante, em Campinas - SP; Milton Joeri Fernandes Duarte, professor de história do colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo - SP
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